Wednesday, December 13, 2006

 

P.e Virgílio e a celebração dos 90 anos de idade.

Noventa anos de idade e sessenta e seis de apostolado em Carrazeda de Ansiães foram motivo para uma celebração. O P.e Virgílio Cirne Vila-Velha marcou indelevelmente os crentes ou não do concelho. A sua vida parece-me uma linha recta de simplicidade, obediência e de serviço à Igreja, mais que aos seus paroquianos. Sem rasgos de iniciativa, não construiu obra, não arrostou contra as injustiças e para além do espiritual não olhou para o material dos seus paroquianos. Olha-se para trás e fica a simpatia e uma grande religiosidade. Será suficiente? Sobra o Mogo de Malta, a aldeia do seu coração, e aí sim existe uma obra que é o Centro Social e Paroquial, a sua menina dos olhos. O seu nome estará associado a esta construção e toda a obra desenvolvida pelo Centro. Como em todas as coisas da vida se a honra lhe será concedida na história da aldeia, ela deveria ser atribuída à pertinência e preserverança de três ou quatro filhos da terra, de que saliento uma grande senhora que apenas conheço como a "D. Fernandinha" que sendo solteira toda a gente conhece como dona.

 

Exemplos louváveis

Em 1994 três irmãos, naturais da aldeia de Beira Grande, da família Meireles, um enólogo, outro técnico agrícola e um outro militar, resolveram dinamizar a pequena exploração agrícola da família localizada em Beira Grande. Era um projecto inovador e arriscado que apostava no “saber fazer” e na qualidade das uvas da região.
Reestruturam a pequena Adega da Família, aproveitam os lagares para vinificar os tintos e apetrecham a adega com moderna tecnologia para a produção de brancos. O nome escolhido foi Grambeira (analogismo de Beira Grande). Os resultados foram rápidos. Na primeira colheita, 1995, no 1º Concurso da Casa do Douro conseguiram um primeiro lugar em brancos e um segundo em tintos, a partir de então os seus vinhos, nomeadamente o Grambeira Branco, têm conquistado um lugar de referência no mercado de vinhos nacional e até internacional. Angariados vários prémios dentro e fora das fronteiras, alcançaram sucesso e continuadamente têm dinamizado a empresa.

Em 1996 iniciam o processo de reestruturação das vinhas, com selecção de castas e plantação por talhões. Tem sido um processo muito lento e que desde então não tem parado. Em 1998, fazem novo investimento, constroem uma nova unidade destinada ao engarrafamento, controlo de qualidade e serviços administrativos, o que lhes permitiu controlar todo o processo de produção, desde a produção da uva ao engarrafamento.

Actualmente, e com o propósito de afinar alguns métodos de vinificação estão em última fase de construção uma nova Adega situada em Carrazeda de Ansiães, aproveitando toda a tecnologia existente na anterior, mas introduzindo novos conceitos de produção, a par, dos contínuos investimentos na viticultura. Pretendem assim paulatinamente continuar a melhorar a qualidade e desenvolver a vitivinicultura do concelho.

São exemplos destes que deverão ser incentivados, publicitados e apoiados e é por eles que passa também a requalificação de produtos, o investimento numa região tão necessitada. A capacidade de risco, aliada à inovação, ao gosto da nossa terra e ao espírito empreendedor que conseguíramos dar à volta à mediocridade e à desertificação que nos estrangula. São boas práticas que convém divulgar e multiplicar!

 

A morte do Dr. Morais

Não serei a pessoa mais indicada, pela idade, muito desconhecimento do seu curriculum e jeito, para relevar a vida deste homem que foi uma referência importante e durante muitos anos na vida deste concelho.

No mínimo deve ser considerado uma figura “muito interessante”. Enredado nas redes do antigo regime, em que manteve alguns cargos importantes, no entanto, foi sempre um homem que tentou sair da mediocridade e através dos mais diversos gestos e obras remou contra a maré e iniciou projectos e práticas que o guindaram à notoriedade.
A sua obra quiçá mais meritória foi no campo do ensino. Fundador de um colégio privado (numa altura em que para estudar se ia para Bragança, Vila Real ou Porto), permitiu a muitos filhos desta terra iniciar um percurso escolar, que de outro modo não teriam conseguido principiar, e em consequência trilhar caminhos do saber que os projectaram para uma vida melhor.

No campo profissional estabeleceu inovações e práticas que atraíram muitos forasteiros e ajudaram a resolver alguns dos problemas de saúde do concelho. Lembro o tratamento controverso, quiçá pouco científico, mas famoso e frutuoso da “cura da dor ciática” que consistiria na destruição do nervo que levava a dor da coluna ao cérebro e que passava por detrás da orelha dos pacientes. Lembro a criação dos primeiros tratamentos dentários, pioneiros na região, a que também acorreram muitos naturais e forasteiros. Lembro a execução de pequenas cirurgias. O Dr. Morais a par do Dr. Alegria e do Dr. Simão constituiu uma tríade de médicos que serviram, algumas vezes com grande abnegação, mas sempre com empenho e tenacidade o concelho como não há memória e dificilmente se repetirá.

A par destas actividades ainda era agricultor e poeta. Que mais pode um homem desejar!?

Nos últimos anos de vida, todos o recordamos nas “secas” que nos pregava quando o encontrávamos na estrada ou ao volante nas ruas da vila. Absorto nas suas divagações, conduzia muito lentamente, impedia-nos a passagem, não largava o meio da estrada ou da rua por mais que lhe vociferássemos "impropérios". Apanhados na sua conversa “sem fim”, calma e conhecedora, educadamente tentávamos fugir-lhe, pois sabíamos que para ele as horas não contavam. Mas tudo lhe perdoámos.

Conseguiu manter-se lúcido e contestatário até quase ao fim dos dias com distribuição e afixação de frases e cartazes controversos, pondo em causa a prática da Casa do Douro, a condução dos destinos do concelho…

Credor de uma homenagem concelhia, faleceu sem que lha tivessem realizado. Houve uma tentativa protagonizada por um grupo de ex-alunos que esbarrou na sua teimosia, um dos seus conhecidos defeitos. Quando vejo atribuídos nomes a ruas e praças que nada nos dizem, enquanto carrazedenses, ou nada fizeram pela vila (casos de Sá Carneiro, Amaro da Costa, Gomes da Costa, Aquilino) seria justo perpetuar este homem com essa atribuição, ou então, porque não dar o seu nome à Escola Profissional?

Partiu, talvez, o último homem deste concelho a quem muitos ainda tiravam o chapéu por respeito e consideração.
Descanse em paz!

 

Os meus Heróis

Este meu primeiro texto é dedicado a uma mulher. Trata-se de alguém que possivelmente não chegará a saber o que penso dela e o valor que dou à sua missão. Possivelmente não sabe ler, com tudo o que isso lhe terá trazido de inconveniência.
Tem como primeiro nome Piedade mas, não acredito que alguma vez tenha pedido piedade para ela. Numa época de grandes privações que aquela por que passou na sua vida activa, conseguiu parir 19 (dezanove) filhos. Conjuntamente com o seu marido de apelido Morais sustentou-os até crescerem e poderem voar. Hoje estes, dispersam-se pelo mundo seguindo o exemplo de trabalho dos pais caldeado pelo sacrifício porque todos passaram até á largada.
Sem recursos herdados foi apenas pelo esforço que brotou este exemplo de vida.
Nas circunstâncias que se depreendem pergunta-se: que seria possível pedir mais! Ou por outras palavras, haverá ou caso parecido, de capacidade, de organização e de coragem! Não consta que tenha roubado. Não consta que tenha pedido. Não consta que tenha tido a sorte e a ventura do seu lado.
Eu que sou dado á reflexão faço este contraponto. Esta família, ao que trabalhou, se em vez de ter gasto as energias a sustentar tanto filho, tivesse amealhado dinheiro, teria hoje a maior fortuna. Seriam venerados pelos bajuladores, passeariam o seu cãozinho de luxo, pelo passeio ao fim da tarde, frequentariam a confeitaria na hora do chá, eram membros das associações filantrópicas, seriam convidados a segurar o pálio e eram com certeza considerados pelo poder.
A realidade é outra bem diferente. A riqueza que produziram parece não representar muito para o país que dela se aproveita.
Assim numa hora em que sei que a doença da Sra. Piedade Morais a tem praticamente retida em casa e embora desconheça em pormenor as circunstâncias em que tenta expurgar a doença, daqui vai a minha admiração pelo seu exemplo de dignidade e distinção entre os carrazedenses.

Hélder Carvalho

 

- Dr. Morais - Vida e obra -


Há pouco tempo desapareceu da nossa companhia uma pessoa que marcou décadas da vida do concelho de Carrazeda: o Dr. Morais.
A sua passagem pelo mundo divide-se em variadas facetas: - a de médico, a de político, a de empresário, a de agricultor e, por último, a de poeta.
Como médico, ele foi, a seu modo, uma espécie de derradeiro João Semana destas paragens e improvisador de soluções compagináveis com as circunstâncias temporais que foi dado viver.
Ele foi tudo: - parteiro, dentista, médico de clínica geral e de alguma cirurgia.
Ficou mesmo famoso pelo método usado para tirar a dor ciática: - queimar o nervo que se situa atrás da orelha. – O seu consultório não primava pela higiene ou pelos apetrechos mais modernos. Mas, seguramente, ninguém saía sem uma consulta cuidadosa e sem o remédio necessário.
Ele era, como médico, no seu tempo, o homem certo no lugar certo. Não havia qualquer dessintonia entre o seu modo de fazer medicina e o modo de vida das gentes que tratava.
Como político, antes do vinte e cinco de Abril, foi um elemento da situação. Depois do vinte e cinco de Abril, pugnou não digo pela reposição da ordem anterior mas sim na contestação da nova ordem política. Acreditava firmemente que a política seria para uma elite, devendo todos os outros apenas cumprirem as ordens ditada por essa elite. Pensava que só após a difusão generalizada da educação seria possível uma verdadeira democracia.
No sistema do anterior regime exerceu papel de proa a nível concelhio. Mas se nós aceitarmos duas correntes no sistema, uma em que o papel principal devia ser representado por uma elite conservadora, laudatória dos valores tradicionais e imobilista no plano económico e social, e outra em que a elite era sobretudo formada por elementos dinâmicos, desejosos do progresso económico e social, embora com o respeito dos valores tradicionais, então poderemos afirmar seguramente que o Dr. Morais era partidário desta segunda corrente.
A noção de nação não era estática, apenas seguidora das virtudes dos nossos antepassados e cultora de uma paz social e económica que não precisava de grandes mudanças para não ocasionar grandes sobressaltos, mas sim dinâmica, de um dinamismo que modernizasse a vida económica e social e desse ao povo uma vida melhor, sempre debaixo da orientação da União Nacional.
Pela sua acção, pelo seu irrequietismo, pode com certeza garantir-se que o Dr. Morais pugnava pela modernização do país.
Isso mesmo fica provado através da sua terceira faceta: - a de empreendedor.
O exemplo mais flagrante é o da construção por ele levado a cabo do edifício onda hoje funciona a Escola Profissional. Ele realmente, para conseguir um lugar onde os carrazedenses pudessem dar continuidade aos seus estudos, lutou contra tudo e todos, desde a burocracia às más vontades que se levantaram.
Para que melhor se pudesse aquilatar da sua determinação, ele próprio ajudava nos trabalhos concretos inerentes à edificação: - ele foi servente, trolha, pedreiro – num arregaçar de mangas que mostrava a toda a gente quão longe ia o seu querer. E a obra fez-se. E num tempo em que as coisas não eram nada fáceis.
Natural de Linhares, ao que julgo, o Dr. Morais teria que ser também agricultor. A par das outras actividades, ele dedicava-se ao trabalho do campo. E mais uma vez o fazia de forma empenhada, fazendo, como mais um seu elemento, parte integrante do grupo de pessoas que trabalhava a terra: - ele cavava, regava, mondava, podava. Tudo o que os outros faziam ele fazia, Mais uma vez estando assim em sintonia com as gentes que o rodeavam.
Mas o mais interessante de tudo é que as várias facetas andavam permanentemente interligadas: - no seu carro trazia instrumentos de médico, (estetoscópio), de política (apontamentos doutrinários), de empresário (utensílios de construção), de agricultor (enxada), tudo isto formando um todo pronto a ser utilizado ao longo do dia.
Tudo o atrás descrito já seria mais que suficiente para encher a vida de uma pessoa. No entanto, julgo que sem que nada o fizesse prever, o Dr. Morais apareceu-nos, por último, com a sua faceta mais sublime: - a de poeta.
Parece até que acabar em poeta é terminar ao arrepio de tudo o que antes tinha sido feito… ou talvez venha mostrar quão idealista foi em tudo aquilo a que se dedicou.
E se ele se tivesse limitado a ser um poeta vulgar, tosco, sem ideias, com rima forçada, ainda poderíamos aceitar. – Mas não: ele poetizou de forma superior, não acessível a principiantes.
Ele tem ideias, ele rima com facilidade e de formas diversas, os versos não saem forçados, podendo afirmar-se que ele nasceu mesmo poeta.
Foi durante muito tempo uma faceta desconhecida, que, quando surgiu, brotou forte, pujante, verdadeira. – Como explicar este fenómeno?
A mim só me ocorre uma explicação: – o seu cérebro nasceu já com o condão de versejar e estava à espera de uma oportunidade para se revelar; só que essa oportunidade, neste caso, só surgiu no fim da vida.
Por todas as suas facetas e, sobretudo, por esta última – a de poeta – que lhe permitiu sublimar alguns aspectos menos apreciáveis da sua personalidade, bem se pode dizer que o Dr. Morais irá constituir um paradigma para todos os seus conterrâneos.

João Lopes de Matos

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