Wednesday, December 13, 2006

 

- Dr. Morais - Vida e obra -


Há pouco tempo desapareceu da nossa companhia uma pessoa que marcou décadas da vida do concelho de Carrazeda: o Dr. Morais.
A sua passagem pelo mundo divide-se em variadas facetas: - a de médico, a de político, a de empresário, a de agricultor e, por último, a de poeta.
Como médico, ele foi, a seu modo, uma espécie de derradeiro João Semana destas paragens e improvisador de soluções compagináveis com as circunstâncias temporais que foi dado viver.
Ele foi tudo: - parteiro, dentista, médico de clínica geral e de alguma cirurgia.
Ficou mesmo famoso pelo método usado para tirar a dor ciática: - queimar o nervo que se situa atrás da orelha. – O seu consultório não primava pela higiene ou pelos apetrechos mais modernos. Mas, seguramente, ninguém saía sem uma consulta cuidadosa e sem o remédio necessário.
Ele era, como médico, no seu tempo, o homem certo no lugar certo. Não havia qualquer dessintonia entre o seu modo de fazer medicina e o modo de vida das gentes que tratava.
Como político, antes do vinte e cinco de Abril, foi um elemento da situação. Depois do vinte e cinco de Abril, pugnou não digo pela reposição da ordem anterior mas sim na contestação da nova ordem política. Acreditava firmemente que a política seria para uma elite, devendo todos os outros apenas cumprirem as ordens ditada por essa elite. Pensava que só após a difusão generalizada da educação seria possível uma verdadeira democracia.
No sistema do anterior regime exerceu papel de proa a nível concelhio. Mas se nós aceitarmos duas correntes no sistema, uma em que o papel principal devia ser representado por uma elite conservadora, laudatória dos valores tradicionais e imobilista no plano económico e social, e outra em que a elite era sobretudo formada por elementos dinâmicos, desejosos do progresso económico e social, embora com o respeito dos valores tradicionais, então poderemos afirmar seguramente que o Dr. Morais era partidário desta segunda corrente.
A noção de nação não era estática, apenas seguidora das virtudes dos nossos antepassados e cultora de uma paz social e económica que não precisava de grandes mudanças para não ocasionar grandes sobressaltos, mas sim dinâmica, de um dinamismo que modernizasse a vida económica e social e desse ao povo uma vida melhor, sempre debaixo da orientação da União Nacional.
Pela sua acção, pelo seu irrequietismo, pode com certeza garantir-se que o Dr. Morais pugnava pela modernização do país.
Isso mesmo fica provado através da sua terceira faceta: - a de empreendedor.
O exemplo mais flagrante é o da construção por ele levado a cabo do edifício onda hoje funciona a Escola Profissional. Ele realmente, para conseguir um lugar onde os carrazedenses pudessem dar continuidade aos seus estudos, lutou contra tudo e todos, desde a burocracia às más vontades que se levantaram.
Para que melhor se pudesse aquilatar da sua determinação, ele próprio ajudava nos trabalhos concretos inerentes à edificação: - ele foi servente, trolha, pedreiro – num arregaçar de mangas que mostrava a toda a gente quão longe ia o seu querer. E a obra fez-se. E num tempo em que as coisas não eram nada fáceis.
Natural de Linhares, ao que julgo, o Dr. Morais teria que ser também agricultor. A par das outras actividades, ele dedicava-se ao trabalho do campo. E mais uma vez o fazia de forma empenhada, fazendo, como mais um seu elemento, parte integrante do grupo de pessoas que trabalhava a terra: - ele cavava, regava, mondava, podava. Tudo o que os outros faziam ele fazia, Mais uma vez estando assim em sintonia com as gentes que o rodeavam.
Mas o mais interessante de tudo é que as várias facetas andavam permanentemente interligadas: - no seu carro trazia instrumentos de médico, (estetoscópio), de política (apontamentos doutrinários), de empresário (utensílios de construção), de agricultor (enxada), tudo isto formando um todo pronto a ser utilizado ao longo do dia.
Tudo o atrás descrito já seria mais que suficiente para encher a vida de uma pessoa. No entanto, julgo que sem que nada o fizesse prever, o Dr. Morais apareceu-nos, por último, com a sua faceta mais sublime: - a de poeta.
Parece até que acabar em poeta é terminar ao arrepio de tudo o que antes tinha sido feito… ou talvez venha mostrar quão idealista foi em tudo aquilo a que se dedicou.
E se ele se tivesse limitado a ser um poeta vulgar, tosco, sem ideias, com rima forçada, ainda poderíamos aceitar. – Mas não: ele poetizou de forma superior, não acessível a principiantes.
Ele tem ideias, ele rima com facilidade e de formas diversas, os versos não saem forçados, podendo afirmar-se que ele nasceu mesmo poeta.
Foi durante muito tempo uma faceta desconhecida, que, quando surgiu, brotou forte, pujante, verdadeira. – Como explicar este fenómeno?
A mim só me ocorre uma explicação: – o seu cérebro nasceu já com o condão de versejar e estava à espera de uma oportunidade para se revelar; só que essa oportunidade, neste caso, só surgiu no fim da vida.
Por todas as suas facetas e, sobretudo, por esta última – a de poeta – que lhe permitiu sublimar alguns aspectos menos apreciáveis da sua personalidade, bem se pode dizer que o Dr. Morais irá constituir um paradigma para todos os seus conterrâneos.

João Lopes de Matos

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